Crítica à negação de direitos fundamentais e ao descumprimento da lei e dos precedentes no Judiciário brasileiro
O acesso à Justiça, previsto como direito fundamental no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, deveria ser uma garantia irrestrita, especialmente para aqueles que mais dependem do amparo estatal: os pobres. No entanto, a realidade do Poder Judiciário brasileiro tem demonstrado que, para os mais vulneráveis, a Justiça não é um direito, mas um privilégio distante. A forma como os pedidos de gratuidade de justiça têm sido apreciados revela um sistema que, em vez de acolher, exclui; em vez de garantir direitos, impõe barreiras intransponíveis.
As decisões monocráticas que negam a gratuidade de justiça frequentemente exigem dos pobres uma prova de pobreza que beira o impossível. Como se não bastasse a condição de vulnerabilidade econômica, exige-se que o cidadão comprove, com documentos e formalidades, algo que já é evidente em sua realidade cotidiana. Essa exigência desproporcional e, na maioria das vezes, descabida, nega o princípio da dignidade da pessoa humana e transforma o acesso à Justiça em um labirinto burocrático.
Afinal, o magistrado pode, a qualquer tempo, verificar as condições econômicas do demandante, sem criar barreiras processuais desnecessárias.
No entanto, o que se vê é a adoção de decisões padronizadas que negam a gratuidade, criando obstáculos desnecessários e retardando o enfrentamento do mérito processual. É comum decisões que determinam a emenda à petição inicial com base na negativa de gratuidade, sem apresentar qualquer elemento que indique a necessidade de novos documentos pela parte. Nesse aspecto, é importante destacar que, processualmente falando, é triste ver a confusão criada, pois não se trata de uma questão de emenda à petição inicial, pois a petição não carece de nenhum de seus requisitos, nos termos do artigo 319 e seguintes do CPC. Não é lícito ao juiz estabelecer para as petições iniciais requisitos não previstos no artigo 319 do CPC. Existe apenas um pedido de gratuidade a ser enfrentado.
Nota-se que esses despachos de emenda em razão de pedido de gratuidade visam buscar o deferimento ou indeferimento da gratuidade e, em sua maioria, carecem de fundamentação dos elementos que evidenciam a necessidade de apreciação de novas provas, em contrário à presunção de veracidade dos documentos apresentados pela parte. Enfim, emitir decisão que a simples declaração de hipossuficiência não é suficiente para a concessão da gratuidade, deve obrigatoriamente indicar os elementos e fundamentos que utilizou para vencer a presunção de veracidade, nos termos do artigo 99, §3º do CPC.
Essas exigências preliminares, além de burocráticas, são profundamente injustas e tentam vencer pelo cansaço. Elas prejudicam especialmente aqueles que buscam a Justiça não por opção, mas por necessidade. Diversos casos têm como autor(a) lavrador(a) aposentado(a), que recebe um salário mínimo mensal e afirma ter descontos indevidos em seu benefício, e lhe são negados pedidos de benefícios de gratuidade. Ora, cada dia de espera representa um prejuízo irreparável. Não é normal, nem mesmo aceitável, esse posicionamento do Poder Judiciário, pois, na maioria das vezes, o pedido de gratuidade é negado, e a demanda fica pendente, aguardando o julgamento de recursos ou o cumprimento de formalidades que nada têm a ver com o mérito da causa.
A jurisdição deve ser exercida de forma a garantir o acesso à Justiça, e não para impor entraves que dificultem o regular prosseguimento da demanda. O Estado, ao se propor a assegurar o direito fundamental de acesso à ordem jurídica justa, não pode falhar justamente com aqueles que mais precisam. A gratuidade de justiça não é um favor, mas um direito que deve ser concedido com base na realidade socioeconômica do jurisdicionado, sem exigências desproporcionais ou descumprimento da lei e de precedentes consolidados.
Além disso, é importante desmistificar a narrativa de que os altos custos da Justiça brasileira são decorrentes das inúmeras gratuidades deferidas. Essa afirmação não apenas é falsa, mas também serve para desviar o foco dos verdadeiros problemas que tornam o Judiciário brasileiro um dos mais caros do mundo, mas longe de ser o mais efetivo. O Brasil gasta quantias exorbitantes com a estrutura judiciária, salários elevados, custas processuais e uma burocracia excessiva, mas não consegue garantir celeridade, eficiência ou acesso igualitário à Justiça. Enquanto isso, os mais pobres, que dependem da gratuidade para terem suas demandas apreciadas, são tratados como se fossem um peso para o sistema, quando, na verdade, são vítimas de uma estrutura que privilegia os mais ricos e poderosos.
É urgente que o Poder Judiciário reveja suas práticas e cumpra seu papel de garantidor de direitos, especialmente para os mais pobres. Enquanto isso não acontecer, continuaremos a assistir à triste realidade: o pobre não tem vez! A Justiça brasileira pode ser a mais cara do mundo, mas está longe de ser a mais justa ou a mais efetiva. E enquanto os mais vulneráveis forem tratados como um problema, em vez de cidadãos com direitos, a desigualdade e a injustiça seguirão sendo marcas registradas do nosso país.

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